quarta-feira, 29 de julho de 2015


Em texto irônico, acadêmicas simulam entrevista com Projeto de Lei que está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados
Por Monica Ribeiro Silva e Nora Krawczyk*

Integrantes do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Medio, Monica Ribeiro da Silva, professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná e Nora Krawczyk, professora da Faculdade de Educação da Unicamp, fizeram uma “entrevista” com o Projeto de Lei 6.840, que prevê mudanças no Ensino Médio e está pronto para ser votado na Câmara. A intenção é mostrar as contradições da proposta e chamar atenção para a falta de informações com que o texto foi elaborado. Leia a seguir:
Sr. PL, qual a razão da sua existência, como começou essa discussão sobre reformulação do ensino médio?

PL: Começou em 15 de março de 2012, quando se criou a Comissão Especial destinada a promover Estudos e Proposições para a Reformulação do Ensino Médio. Foi uma iniciativa do Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que assumiu a presidência dessa Comissão, ficando o Deputado Wilson Filho (PTB-PB) como relator. E por que se criar esta Comissão? Para o autor do Requerimento que originou esta Comissão Especial, o Ensino Médio oferecido atualmente não corresponde às expectativas dos jovens, especialmente no tocante à sua inserção na vida profissional, e vem apresentando resultados que não correspondem ao crescimento social e econômico do país.
Mas até aí está-se falando de uma Comissão Especial… Como nasce o Projeto de Lei e o que propõe?

PL: Foram mais de 19 meses de trabalho, antes do Relatório da Comissão, que se transformou no PL 6.840/2013. Estamos propondo várias alterações na Lei nº 9.394, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB. Em síntese são propostas de reformulação da jornada escolar e organização curricular, das condições de acesso ao ensino noturno e da formação docente.
Parece que suas propostas alteram de forma substancial o Ensino Médio que temos hoje, tanto na sua estrutura e organização como no seu conteúdo. Então melhor ir por partes.

O que o Sr. Propõe com relação à jornada escolar?

PL: Proponho que o Ensino Médio diurno seja oferecido com um mínimo de 7 horas diárias, em jornada completa (tempo integral). O acesso ao ensino de tempo integral deverá ser universalizado em até 20 anos e com uma meta parcial para os 10 primeiros anos, quando 50% das matrículas em 50% das escolas deverão ser de tempo integral.

De fato, a ampliação da jornada escolar é importante, mas sua compulsoriedade é praticamente inaplicável para jovens que trabalham. Além disso, devemos lembrar que não existe relação direta entre extensão do tempo escolar e melhoria da qualidade do ensino. Uma escola com jornada escolar completa que não seja ‘mais do mesmo’ deve ir acompanhada de escolares que permitam elaborar uma proposta pedagógica que integre todas as fases da formação humana. Vai precisar de um regime de trabalho docente de 40 horas na mesma escola com possibilidades de realizar um projeto coletivo; de recursos materiais e humanos em diferentes áreas; de flexibilização na organização do tempo e do espaço; entre outros. Nada disso está contemplado na sua proposta.

PL: Perdão, mas o jovem trabalhador está contemplado em minhas propostas! Ou seja, o jovem com mais de 18 anos, que vai para o Ensino Médio noturno. No caso do ensino noturno, teremos uma jornada diária mínima de três horas, contemplando o mesmo conteúdo curricular do ensino diurno. Até 1.000 horas poderão ser integralizadas a critério do sistema de ensino. E o ensino noturno fica restrito aos alunos com 18 anos ou mais.

E no que fica o jovem trabalhador com menos de 18 anos? Hoje, 36,6% da população de 15 a 17 anos trabalham. Outro problema é que o Sr. cria uma superposição entre ensino noturno “regular” e o EJA (Educação de Jovens Adultos), que justamente foi criado para atender o aluno com 18 anos ou mais.O Sr. sabia? Os deputados que criaram o Sr. sabiam disso?

PL: Isso não consta do Relatório que me deu origem

A proposta de mudança da organização curricular qual é?

PL: A proposta é que o currículo seja organizado em quatro áreas de conhecimento: linguagem, matemática, ciências da natureza e humanas com prioridade para Língua Portuguesa e Matemática. E, a formação de professores também passaria a ser organizada nessas mesmas áreas.
Ao que parece, com a formação por áreas o Sr. estaria propondo a extinção das disciplinas existentes. Isso tornaria por demais frágil o acesso ao conhecimento elaborado e cada vez mais especializado. O Sr. está ignorando a possibilidade de que áreas do conhecimento no ensino médio podem significar a possibilidade de se viabilizar maior interlocução entre as disciplinas e/ou componentes curriculares, fortalecendo-as, e não dissolvendo-as. O Sr. comete outro grande equívoco ao dar mais ênfase para Língua Portuguesa e Matemática. Uma educação de qualidade não pode prescindir do conhecimento em todas as áreas, e mais, que essas áreas não tenham hierarquias entre si. E isso vale também para a formação de professores.

PL: Ora, mas muito pouco disso foi dito durante as audiências e seminários. E se foi falado, confesso que não ouvi.

Além disso, o Sr. está atropelando o sistema de ensino! Já existe a modalidade de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, em processo de implementação em quase todos os estados e que nem foi avaliado ainda. A inclusão de uma opção por formação profissional no Ensino Médio chamado de regular é uma superposição, e o que é pior com uma proposta minimalista do que significa a formação profissional. A organização curricular que o Senhor propõe retoma o modelo curricular dos tempos da ditadura militar, de viés eficienticista e mercadológico. E, a opção para o ensino superior vinculada à opção formativa do estudante retoma o modelo da reforma Capanema da década de 40 e se constitui em cerceamento do direito de escolha e mecanismo de exclusão.Puxa, parece estar incomodando muito a possibilidade de democratização do conhecimento para toda a sociedade brasileira!
PL: Mas, os jovens estão desmotivados e por isso abandonam a escola… A possibilidade de escolher a partir de suas preferencias o que vão estudar pode entusiasma-los e além disso prepara-los melhor para o futuro.

O Sr. sabe que na Europa o Ensino Médio diversificado foi abandonado já na década de 60 do século passado porque se comprovou que produzia segmentação no sistema de ensino e segregação entre os alunos? E o Sr. sabe que Alemanha foi um dos poucos países que manteve a organização curricular diversificada e quais tem sido as avaliações disso? Pois é, as avaliações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE e da Unesco e os resultados do Programa Internacional para Avaliação de Estudantes (PISA) mostram que os estudantes da Alemanha têm desempenho abaixo da média dos países avaliados, não se superou o baixo rendimento escolar entre as crianças de classes trabalhadoras e de imigrantes. Além disso, os estudos demonstram que na seleção para os diferentes tipos de escola a origem social é um fator determinante.
PL: De fato, isso não foi colocado nas discussões.

Aí está uma das maiores críticas que fazemos ao Sr. e aos que o formularam: desconhecer a maior parte da experiência acumulada, dos estudos e pesquisas realizados, selecionando apenas aquilo que se enquadra numa visão preconcebida. E isso vale tanto para a experiência brasileira quanto a internacional. Num e noutro caso, só se leva em conta aquilo que faz sentido para a atual ideologia dominante, profundamente marcada pela competição, o individualismo e, consequentemente, pela exclusão.O Sr. propõe também a inclusão de temas transversais ao currículo, entre eles o empreendedorismo…
PL: Sim, faz parte da proposta de reforma curricular.

Chama atenção que o Sr. retome o formato já experimentado em período recente da educação brasileira a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais anteriores às que estão em vigência, e que se mostrou inócuo. Podemos dizer que é uma proposta ultrapassada de currículo.

PL: Alega-se que eu praticamente ignorei o que está definido nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio…

Queremos nos deter na proposta da inclusão 
do empreendedorismo porque além de estar em voga, já está sendo incluído em vários estados. Porque acham importante?

PL: Consideramos importante que o jovem se pense como um empresário de si mesmo e possa construir seu projeto de vida. Que o jovem se torne uma pessoa autônoma, criativa e empreendedora. Que compreenda que se precisa de esforço e de boas escolhas para conseguir o que se deseja.

Essa ideia, que torna o empresário uma figura emblemática e modelo a seguir pela juventude serve para reforçar a ideologia meritrocrática. O ‘empresário’ aparece, nessa proposta, como “um herói da moderna vida empresária, isto é, que teve êxito na vida através de seu esforço, da sua capacidade de planejar e de prever novas situações. Pessoa de êxito porque teve um ‘sonho’ e o realizou. Essa ideia descaracteriza o papel social da escola de formação de um jovem autônomo. A verdadeira autonomia só se conquista através de uma formação integral, que permita ao jovem compreender a sociedade contemporânea de forma crítica. Só assim ele poderá, de fato, enfrentar os problemas que a vida colocará em seu caminho e exercer uma verdadeira cidadania.
No relatório e no projeto de lei está claro que a participação predominante foi de pessoas ligadas ideologicamente com as propostas do setor privado: algumas secretarias de educação e de outros órgãos públicos e outros ligados diretamente ao empresariado.
Em compensação, é muito escassa a participação dos sindicatos. Dos movimentos sociais, então, nem se fala!

PL: Não é bem assim. Além da Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação – CNTE, participaram várias entidades ligadas ao setor de educação sem ligação com o empresariado, como a Associação Nacional de Pós-graduação em Educação – ANPED, e a Associação Nacional de Política e Administração Educacional – ANPAE.

Cujas propostas foram ignoradas…
PL: Na verdade, eu me apeguei mais às propostas concretas. Predominou um pensamento mais convergente com a formas de pensar dos empresários porque eles são mais pragmáticos, mais diretos.
Outra coisa a considerar é que o Sr. sofre resistências da maioria das entidades do campo educacional…

PL: Vocês devem estar falando do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio. Pelo que eu sei, ele foi criado no início de 2014 por um grupo de educadores para se opor a mim. Diziam que vários dos meus artigos provocariam mais segregação educacional e exclusão do ensino médio de parcelas importantes da população. Não sei…

Sim. Nós fomos parte dos organizadores do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, que atualmente reúne as dez entidades mais importantes do campo educacional.

PL: Eu sei muito bem. Faço questão de conhecer meus adversários. Estão com vocês desde a ANPED até a CNTE, passando pelo Conselho Nacional das escolas técnicas federais, a ANPAE, ANFOPE, CEDES, Ação Educativa, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, etc, etc.

O Sr. sabe qual é a posição do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio?

PL: Bem, eles elaboraram um manifesto no qual afirmam que minhas propostas lesam a possibilidade de a maioria dos jovens ter acesso ao conjunto de saberes socialmente significativos e marginalizo do ensino médio os jovens que trabalham. Defendem uma concepção de Ensino Médio como parte da educação “de base”, etapa em que deve ser assegurada aos brasileiros e brasileiras uma formação comum. Enfim, questionam principalmente a organização curricular, o ensino noturno e o ensino médio integral. Dizem que ensino médio integral não é o mesmo que ensino médio de tempo completo, isto é, não se reduz à extensão do tempo escolar. Dizem também não existe uma relação direta entre extensão do tempo escolar e melhoria da qualidade do ensino. Chegam a afirmar que da forma como eu apresento o ensino de tempo integral a escola vai acabar virando uma área de contenção para adolescentes. Ah! E também se opõe à diversificação do currículo no 3º ano.

Em que pé está a sua tramitação no Congresso?

PL: O certo é que o pessoal do Movimento andou aqui pelo Congresso Nacional, procurou deputados, buscou apoio no Ministério da Educação. Interferiu bastante quando eu ainda estava em discussão nas Comissões da Câmara e isso fez com que sofresse muitas mudanças. Hoje eu sou um substitutivo, não sou mais o que eu era originalmente.

E, agora ….

PL: Pela dinâmica parlamentar, o Substitutivo deve ir para a aprovação no plenário da Câmara. Mas, sabemos que existe oposição por vários dos que elaboram a versão primeira que estão insatisfeitos porque eu deixei de cumprir meus objetivos.
Mas, o substitutivo tal como ficou também não é o que propõe o Movimento, foi só o que foi possível negociar com o Relator e continuamos correndo o risco de aumento da desigualdade na educação.

Pois bem, e agora?

PL: Agora o Projeto de Lei está em condições de ser votado em plenário, mas nem por isso as mudanças que o Movimento conseguiu até agora resultarão no que vai ser votado. Certamente serão apresentadas emendas para que volte a ser o que era.

Veja como está o Projeto de Lei:
O Projeto de Lei nº 6.840 sofreu transformações importantes desde sua concepção. O deputado Reginaldo Lopes mostrou-se sensível às argumentações tanto do Ministério da Educação, quanto do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio e de outras entidades, apresentando um substitutivo que modifica alguns dispositivos do projeto original. No entanto, muita coisa pode acontecer até a votação final, incluindo o restabelecimento daqueles tópicos que se conseguiu eliminar. Veja a seguir as principais alterações introduzidas no PL 6.840.
1. As “opções formativas” em que os estudantes escolhem uma ou outra área ou a formação profissional não constam mais como obrigatórias. Elas ficaram como uma alternativa, mas somente como possibilidades de aprofundamento nos casos em que se tiver a jornada ampliada.
2. Foi retirada a obrigatoriedade do tempo integral para jovens de 15 a 17 anos, sendo esta uma possibilidade para os que o desejarem e em conformidade com as metas do Plano Nacional de Educação, isto é, “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica”.
3. Foram também retiradas as proposições sobre temas transversais.
4. Foi retirada a restrição de idade para o ensino médio noturno.
5. Sobre a organização curricular houve uma aproximação com as atuais diretrizes curriculares nacionais do ensino médio. A base nacional comum do ensino médio constará de quatro áreas: I – linguagens; II – matemática; III – ciências da natureza; e IV – ciências humanas, sendo que as propostas curriculares devem articular essas áreas com as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, sendo este o eixo integrador entre os conhecimentos de distintas naturezas que devem ser contextualizados em sua dimensão histórica e em relação ao contexto social contemporâneo. Além disso, “os currículos do ensino médio adotarão metodologias de ensino e de avaliação que evidenciem a contextualização, a interdisciplinaridade e a transversalidade, bem como outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos”.
6. Foi retirada a formação de professores por área, ficando a seguinte formulação: “Os currículos dos cursos de formação de docentes deverão ser estruturados a partir da base nacional comum da educação básica”.
Monica Ribeiro Silva é Profa. Dra. no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Nora Krawczyk é Profa. Dra. na Faculdade de Educação da Unicamp.

* o conteúdo de artigos refletem a opinião dos autores

Localidade original: http://cartanaescola.com.br/single/show/548 – publicado na edição 97, de junho de 2015 


sexta-feira, 29 de maio de 2015

Ensino Médio em Xeque


A Reportagem de capa da Revista Escola Pública põe em discussão o Ensino Médio. Colaborei com a matéria sobre as questões de acesso, currículo e tempo integral.
Leia abaixo a íntegra.

Ensino médio em xeque: como atrair o jovem que está fora da escola e reduzir a evasão?


Mais de 1 milhão de jovens entre 15 e 17 anos ainda estão fora da escola; redes precisam reformular modelo do ensino médio, debater currículo e formação dos professores e enfrentar desafios no ensino noturno e rural

Christina Stephano de Queiroz
Revista Escola Pública
Edição  44
Abril/Maio 2015





Faltam respostas objetivas à pergunta sobre como garantir o direito à aprendizagem no ensino médio. É o que apontam diversos especialistas consultados nesta reportagem. Os problemas residem não apenas nas falhas de formação dos licenciados e na ausência de estímulos à carreira docente, mas também na ausência de definição de um modelo e de um currículo adequado, que responda às diversas demandas dessa etapa - formação do cidadão, para o trabalho e preparação para o ensino superior - e enfrente desafios como o ensino noturno, nas áreas rurais e o desinteresse dos jovens pelos estudos.

Até 2016, a matrícula dos alunos de 15 a 17 anos será obrigatória, mas muitos desses jovens ainda estão fora da escola; uma percentagem ainda maior frequenta a escola, mas não chegou ao ensino médio. Mônica Ribeiro da Silva, professora da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Observatório do Ensino Médio, vinculado ao Observatório da Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), explica que dos 10,5 milhões de pessoas nessa faixa etária no Brasil, somente 5 milhões estão de fato matriculadas no ensino médio, o que corresponde a 59,5% dos brasileiros nessa faixa etária. Cerca de 3,5 milhões ainda cursam o fundamental e mais de 1 milhão está totalmente fora da escola (veja infográfico). 

O gargalo é ainda maior se considerarmos os altos índices de abandono escolar. "As instituições enfrentam limitações para atender às necessidades e interesses dessas várias juventudes que se encontram dentro delas", analisa Mônica. Além das questões de ordem pedagógica e internas das escolas, a docente aponta que há razões de ordem econômica que obrigam cerca de 2 milhões de jovens de até 17 anos a trabalharem.  

Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, atribui parte desse panorama negativo ao atual modelo dos cursos de pedagogia e das licenciaturas, que se distanciaram do ambiente da sala de aula e têm pouco foco em questões didáticas (veja matéria na pág. 30). A gestão escolar, por sua vez, deve elaborar objetivos mensuráveis para cada turma do ensino médio, mobilizando a equipe docente para dar mais atenção aos alunos com mais dificuldades.

Currículo

Outro desafio enfrentado no ensino médio diz respeito à inexistência de uma base nacional curricular comum que estabeleça claramente o que o jovem deve aprender em cada nível do ensino e, com isso, permita que as escolas adaptem seus projetos pedagógicos conforme sua realidade. Para Henriques, o programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) - que prevê inovações nos currículos escolares, tornando-os mais dinâmicos e adequados aos interesses dos jovens - seria mais bem aproveitado com a criação dessa base comum. "Sem esse parâmetro, há mais margem para interpretação, o que pode não ser positivo", analisa. Lançado em 2009, o programa do governo federal oferece apoio técnico e financeiro às escolas que desejam reformular seu currículo. Com investimento inicial de R$ 33,1 milhões, 18 secretarias de Educação ingressaram na iniciativa, que já reúne os órgãos de todos os estados brasileiros. No ano passado, o MEC investiu R$ 167 milhões no programa que, segundo o Observatório do Ensino Médio, funciona hoje em mais de 2 mil escolas no Brasil. 

Também defensor de mudanças curriculares, o diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, propõe que o nono ano do ensino fundamental e o primeiro ano do ensino médio sejam iguais para todos os alunos do Brasil, enquanto o segundo e o terceiro anos se vinculem a necessidades futuras e sejam orientados por áreas - exatas, humanas ou biológicas. Para Mozart, as discussões em torno da formulação dessa base comum são uma prova de como o governo não fez a articulação correta de questão. "Há gente no Conselho Nacional da Educação, no MEC e em grupos do terceiro setor trabalhando o assunto, porém os esforços não estão articulados, algo que caberia ao governo realizar", critica.  

Algacir José Rigon, coordenador da licenciatura Educação no Campo na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), afirma que há parâmetros comuns que precisam ser pensados, pois o país carece de um currículo menos "conteudista" e que considere o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos. Ele destaca, ainda, que o ensino médio não deve ter em vista apenas a preparação para a etapa seguinte do estudo - como ocorre em muitas escolas - mas sim a formação integral do sujeito. "A referência não pode ser o vestibular, o mercado de trabalho ou provas como o Enem", assegura.  

Apesar de também levantar a bandeira da reformulação, Mônica lembra que as instituições já contam com as Diretrizes Curriculares Nacionais - que estabelecem os componentes curriculares obrigatórios e trazem proposições sobre como eles podem ser organizados - como suporte à elaboração de suas propostas pedagógicas. "Com essas diretrizes, conseguimos assegurar alguma unidade nacional e, ao mesmo tempo, respeitar as diversidades locais", pondera. Ela destaca outra iniciativa recente do governo federal, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, que tem como ação central a formação continuada de professores. De acordo com ela, as 27 unidades da federação aderiram à iniciativa, envolvendo 320 mil professores e coordenadores pedagógicos. Os cursos são ofertados por 52 universidades públicas que coordenam os processos nos estados. Os participantes recebem uma bolsa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para incentivar a prática. 

Acesso

A garantia do direito à matrícula até 2016 é um objetivo controverso, segundo apontam os entrevistados. "Quando pensamos em universalização das matrículas significa que o governo deve oferecer vagas nas escolas a todos os jovens, mas não necessariamente garantir que eles estejam matriculados no ensino médio", explica Ramos, ao ressaltar a alta defasagem idade-série no país.

Segundo Rigon, as vagas nas escolas serão garantidas na maioria dos casos, mas será um acesso enquanto possibilidade. Ele conta que no Rio Grande do Sul, por exemplo, várias escolas rurais menores são fechadas e os alunos realocados para instituições maiores, localizadas nos centros urbanos. Com isso, os governos podem alegar que há espaço, salas e infraestrutura suficiente para atender a todos, garantindo que cumpriram a meta. "Mas os estudantes de escolas rurais, principalmente, precisam percorrer caminhos longos e em estradas precárias para chegar às cidades, o que muitas vezes inviabiliza sua ida cotidiana à escola e colabora com a evasão." 

Uma das práticas, que permite cativar o interesse dos alunos, é o desenvolvimento de projetos ligados a problemas locais, o que funciona principalmente nas escolas rurais que ficam nas comunidades atendidas. Rigon lembra o caso da Escola Antônio Conselheiro, no Rio Grande do Sul, em que os estudantes desenvolveram o projeto "Construindo caminhos para a valorização do espaço em que vivemos". Segundo ele, as estradas rurais das comunidades do campo não têm nomes, o que gera dificuldades para registrar a conta de energia elétrica, a rota do transporte escolar, abertura de crediário etc. Para resolver esses problemas, os alunos da instituição entrevistaram as famílias da comunidade, elaboraram plantas e maquetes - apoiados nas aulas de geografia - e marcaram reuniões na Câmara de Vereadores para nominar as ruas com nomes sugeridos pela população. 

Já no Amazonas, os recursos tecnológicos têm sido adotados como alternativa para levar aulas a comunidades rurais isoladas. A secretaria de Educação do estado criou um projeto de mediação tecnológica em que, desde 2007, os estudantes de zonas rurais participam de aulas do ensino médio a distância. "Há comunidades que ficam a 20 dias de barco dos municípios, tornando o deslocamento dos estudantes inviável", diz Rossieli Soares da Silva, secretário de Educação do estado. De acordo com ele, hoje, 45 mil alunos participam das aulas virtuais. Nas comunidades rurais sempre há um professor de classe para orientar a turma e apenas as disciplinas específicas são dadas a distância.  

Período integral

Uma das soluções, que vem sendo discutida para combater o abandono das aulas, é aumentar o período que o aluno permanece na escola. Mônica ressalta, no entanto, que a ampliação da jornada não pode se resumir a "duplicar" o que já está sendo feito, por meio da oferta de disciplinas desconectadas dos interesses e das necessidades dos jovens. 

Ramos faz outra ressalva à ideia de que a solução para os problemas do ensino médio se relaciona diretamente à ampliação do período letivo, por considerar que esse modelo só pode ser pensado para os alunos do diurno. De acordo com ele, um terço das matrículas nesta etapa de ensino está no período noturno, totalizando mais de dois milhões de jovens estudando à noite no ensino médio. E um estudo realizado pelo Instituto Ayrton Senna apontou grande disparidade na educação recebida pelos alunos matriculados nesse turno, quando comparados aos estudantes das turmas diurnas regulares. Essa desigualdade é atestada pelo desempenho médio mais baixo em disciplinas básicas, como português e matemática, que pode ser explicado por fatores como menor tempo de aula, taxas maiores de abandono e de distorção idade-série. "Precisamos pensar em alternativas que beneficiem a todos os estudantes e, assim, colaborem com a democratização da educação no Brasil."





Para que jamais se esqueça, para que nunca mais aconteça!

Um mês depois do massacre do 29 de abril em Curitiba professores voltam à Praça. Para que nunca se esqueça, para que jamais aconteça.
O asassino da dignidade alheia realiza seu atentado contra a educação pública. 29 de Abril de 2015 entra para a história do Brasil e do Paraná como o Dia da Vergonha.
"O melhor está por vir". Slogan de campanha de Beto Richa para o segundo mandato para o governo do estado do Paraná, se configura como ironia e protótipo do que viria. Em fevereiro de 2015 já se vislumbrava o cenário surreal que remetia ao slogan da campanha.



quarta-feira, 29 de abril de 2015

Na luta também se educa

O dia de hoje, 29 de abril de 2015, entra para a história da educação pública deste país como o Dia da Vergonha.



A situação na cidade de Curitiba, capital do estado do Paraná, beirou a catástrofe. Os professores da educação básica, da educação superior e servidores das áreas da saúde, do judiciário, dentre outros entraram em greve porque o governo do estado, falido pelo atual governador, enviou para a Assembleia Legislativa um projeto de lei que o autoriza a usar os recursos da previdência dos servidores na ordem de 125 milhões por mês. Em 4 anos o rombo será de 8 bilhões. 
Havia sido feito um acordo no mês de fevereiro que pôs fim à primeira greve. Pelo acordo, o projeto de lei seria retirado pelo governo. Foi retirado, mas reencaminhado no mês de abril. 
Na tarde do dia 28 de abril houve uma ação de violência assustadora com bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, jatos de água e corpo a corpo protagonizado pela tropa de choque da Polícia Miliar contra os professores e os demais servidores. 
Contrariando todas as regras estabelecidas, os policiais estavam fortemente armados e foram chamados de todas as regiões do estado para cercar a ALEP. Isso porque em fevereiro os professores  haviam ocupado a ALEP e conseguido impedir a votação. 
Hoje eram mais de dois mil policiais.
E vieram professores de todo o estado para proteger o que é seu por direito. 
A tensão foi alimentada por helicópteros voando baixo, cavalaria e policiais portando cacetetes e até armas de fogo. 
Enquanto na praça educadores eram agredidos, dentro da Assembleia os deputados da base governista insistiam na aprovação do Projeto de Lei. Foram duas horas de barbárie: balas de borracha, spray de pimenta, gás lacrimogêneo, cães, helicópteros que resultaram em mais de 150 feridos fisicamente, oito em estado grave. 
Ao fim e ao cabo, a Lei foi votada e aprovada. 
Perde a sociedade, perde nossa já frágil democracia, perdemos todos. A lição dada por esses professores e professoras, porém, é a de que lutar vale sempre a pena. 
Em Nota, afirma o sindicato dos professores: "E assim, neste dia, apesar da resistência pacífica e heróica dos(as) servidores(as) estaduais, a tramitação do projeto do governo continuou. Ao custo de sangue e lágrimas de centenas de trabalhadores(as). E isto, sim, é de lamentar e repudiar. Além de não podermos entrar e nos manifestar na Casa do Povo, fomos expulsos violentamente das ruas. É um desrespeito ao Estado Democrático de Direito. É o retorno de uma ditadura insana, na qual a vaidade e o projeto personalista do senhor governador se sobrepõe ao de milhares de trabalhadores e trabalhadoras" (APP Sindicato).
Na figura dessa professora externalizo meu eterno respeito e admiração a esses/as homens e mulheres que educam na luta. A vocês, a minha homenagem:
"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem". (João Guimarães Rosa).





sábado, 25 de abril de 2015

O que esperar da Pátria Educadora?




Ligada diretamente à  PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, a SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS (SAE) que tem à frente Mangabeira Ünger divulgou nesta semana, em 22 de abril de 2015, o Documento "PÁTRIA EDUCADORA: A QUALIFICAÇÃO DO ENSINO BÁSICO COMO  OBRA DE CONSTRUÇÃO NACIONAL". 
Acesse aqui, direto do Blog do Luiz Carlos Freitas      
O Documento foi apresentado como uma proposta preliminar para discussão. Traz as "diretrizes de um projeto nacional de qualificação do ensino básico" e está dividico em duas partes. Na primeira desenha o "ideário do projeto" e na segunda traz um conjunto de "iniciativas", isto, é, de propostas com vistas a consolidar o que está no chamado Ideário. 
De início já nos vem algumas perguntas:
- O Ministério da Educação sequer é mencionado como co-partícipe da produção. Por que? O que o MEC tem a dizer sobre o dito Documento?
- Ao se referir a uma situação dramática e castrófica da educação no país, a SAE esquece que o partido que está no governo é o mesmo há mais de 12 anos? 
- Será que não avisaram a SAE que defendemos "Educação Básica" e não "Ensino Básico", pelo caráter evidentemente mais restritivo do segundo?
Sobre o teor propriamente dito, são vários os problemas, equívocos e inconsistências, a começar pela discriminação e segregação de "uma escola para pobres" e outra para os "pobres que demonstrarem capacidade". E mais: o retorno da retórica do currículo para desenvolvimento de competências agora chamadas de "capacitações"; a criação de escolas modelos para as quais os estudantes terão acesso por meio de concorrência pois serão para poucos (sic!); criação de um sistema de premiações para diretores de escola que produzirem "bons resultados"...Enfim: meritocracia e políticas de responsabilização. 
A seguir por esse caminho, vai muito mal essa "Pátria Educadora".

segunda-feira, 20 de abril de 2015

TERCEIRIZANDO A ESCOLA PÚBLICA






Muitas redes estaduais de ensino têm transferido a gestão da escola pública para entidades privadas por meio de parcerias que fazem crescer, a olhos vistos, o número desses institutos e fundações, boa parte deles vinculados a Bancos e outros setores empresarias. Dentre estes se destacam a Fundação Lemann, o Instituto Unibanco, o Instituto de Co-responsabilização pela Educação (ICE), a Fundação Itaú-Social, a Fundação Bradesco, o Instituto Gerdau, a Fundação Roberto Marinho, o Instituto Itaú Cultural, o Instituto Ayrton Senna, o Instituto Ethos, o Instituto Alfa e Beto, para citar alguns.
A  lógica dessas entidades é a da gestão para resultados. As palavras-chave são: meritocracia, responsabilização e privatização (da gestão). 
Veja o exemplo mais recente clicando aqui
A Paraíba é o mais novo estado da região nordeste a sucumbir ao canto da sereia. Absolutamente lastimável, ainda mais em se tratando de um estado que vinha investindo na qualidade do Ensino Médio por meio da qualificação de seus profissionais. A experiência do estado vinculada ao Programa Ensino Médio Inovador, parceria com o  Ministério da Educação é um bom exemplo de "parceria público-público", que assegurava uma gestão PÚBLICA da escola PÚBLICA.
A entrada do ICE na rede estadual de ensino da Paraíba, à semelhança de outros estados, é um enorme retrocesso.

domingo, 19 de abril de 2015

Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio

Em Dezembro de 2014 a Comissão Especial da Câmara dos Deputados encarregada da Reformulação do Ensino Médio apresentou um Substitutivo ao PL 6840/2013.
Contra o projeto de lei original várias entidades se uniram e criaram o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio. Clique aqui e saiba mais sobre o Movimento
Os itens que mais preocupavam o Movimento eram: currículo organizado por ênfases de escolha (no último ano o/a estudante deveria escolher uma das ênfases: Matemática, Linguagens, Ciências da Natureza, Ciências Humanas OU uma formação técnica); obrigatoriedade do tempo integral, restrição ao ensino médio noturno, formação de professores por área e não por disciplinas. 
Essas propostas foram retiradas do PL. Conheça a íntegra da Substitutivo aprovado na Comissão Especial. 
A intervenção do Movimento Nacional foi crucial para impedir um grande retrocesso no Ensino Médio brasileiro. Agora o PL está na Câmara e deverá sofrer novas tramitações. Precisamos estar atentos!